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Galeria Arte Global - Mário Barata

Apresentação - Mario Barata


Tornava-se necessária esta exposição de obras recentes de Luiz Aquila. O público já viu outras mostras do artista, mas a sua consciência e constância no ato criador valorizou-se, ainda mais, nesta fase 1975-1976, tão rica na sua gênese e indicativa de um futuro. Passeia-se aqui contemplativamente, ante a expressão de civilização requintada, que é a arte da pintura, neste exemplo situada entre o diálogo a sós com o mundo (não o solilóquio) e o desafio prometeico da criação da vida através da matéria (numa luta com os elementos da matéria: o óleo colorido, em função da receptividade do ser humano) ou através do manejo lúdico e feliz da guache, quase em tom de exercício ou de fragmento musical. Sua arte participa mais uma vez da pintura-pintura, é em parte uma meta-pintura.

A formação deste artista, casado com pintora inglesa, conduziu-o cedo a fixar-se numa das esferas naturais de ação humana: no círculo de trabalhos da sensibilidade, reflexos do mundo, simultaneamente de modo direto e por intermédio de contextos psicológicos. A casa de seu pai, artista sensível e inteligente; amizades desde a infância, como as de Djanira e Tiziana; a atividade de juventude em contato com artistas como Gastão Manuel Henrique e Carlos Scliar, “exemplos de trabalho continuado no fato plástico”; a estada de dois anos em Paris, com tantas aberturas e um na Inglaterra, fixando sua experiência técnico-visual, de 1965 a 1967. A passagem por um ano em Portugal (seis meses de Lisboa e seis de Évora), com sua inexprimível maturidade de paisagem humana e urbana; uma segunda fase britânica, de ano e meio (1972 a 1973), tudo isso entrou na geração de um pintor, como na gesta de tantos outros artistas dos séculos XIX e XX brasileiros.

A França abriu-lhe o caminho maior, conhecendo ali alguns seres excepcionais no domínio das artes e vendo exposições no momento justo. Em Corneille, por exemplo, compreendeu a liberdade criadora e a passagem do figurativo ao abstrato; em Ceres Franco viu uma animação fervilhante e intelectual. A Inglaterra completou-lhe, por assim dizer, um aggiornamento mais pessoal das formas plásticas que poderiam condizer com a sua maneira de sentir.

O registro desse seu universo complexo estético é feito no término – embora também ocorra no processus – da própria elaboração da obra, também elemento de conhecimento ou de sonho na raiz do artístico.

Os óleos da fase atual apresentam uma dinâmica de formas e cores superpostas ou angulosas, em partição múltipla e às vezes bastante intrincada de cores quentes (mais do que em seus períodos anteriores), em grande parte tudo nascendo do interior do pintor, de sua necessidade de expressar-se, e em que surgem os vegetais, não por definição representativa, mas por contingências espontâneas de sua visão. O vegetal aqui é uma memória do visto e uma ligação com o mundo exterior e não uma intenção, um “a priori”. A sua qualidade de obra se deduz dentro do contexto das dificuldades que essa representação dinâmica inclui, mas que em sua afirmação definitiva e madura, o artista enfrenta por ser a sua linguagem.

As pinturas mostram às vezes um ou vários quadros no quadro e uma cercadura que pode ser uma janela.

Com mais nuança e interioridade surge um ritmo para-musical, de vários tempos, que se tornou evidente, por exemplo, na obra que, pelo título, Luiz Aquila assemelhou ao “chorinho” na flauta, com a quinta parte retornando à primeira. Como em todo dinamismo na pintura moderna, uma correlação pode ser detectada, no tocante à sua origem, com o futurismo italiano. Mas este buscou representar o movimento e também a civilização industrial, bastando isto para os diferenciar, na sua concretização.

Nos óleos de Luiz Aquila trata-se mais de compor uma “desorganização”, onde esta última é simulada ou aparente, mas num “fortíssimo” bem visível, com o seu colorido tão pessoal, que se harmoniza em cores onde a herança inglesa não está inteiramente ausente. O fluxo e a fluidez das cores, as interpenetrações de forma, quase recortada, são outras características da presença da obra do autor.

Essa arte de dons intrínsecos, nas guaches deixa um campo branco extenso e cria pequenos fatos plásticos, às vezes em zigue-zague como nos vegetais da pintura; não é a pintura-espelho, nem a pintura-drama, mas mesmo sendo pintura-pintura reflete, como vimos, elementos do mundo.

Há também a continuidade da obra e do estilo do artista, desde os seus “exercícios” europeus – na segunda fase inglesa, não longe, em vários casos, do espírito de um Klee – até o domínio dos espaços de Brasília (onde viveu) e de suas nuvens, e os recortes retangulares que configurou, o pintor, em trabalhos do início de 1973.

Caso partíssemos de Aristóteles, a meta-pintura poderia ser a manifestação da pintura em quanto é tal, em quanto existente, por oposição à pintura definida por seus elementos circunstanciais, de gestação, intenção e ação. Foi nesse sentido que falamos acima de meta-pintura, como primeiro dado para abordar a criação de Luiz Aquila e de arte deste tipo, sem nos recusarmos à verificação de que ocorrem outros modos de ser da pintura, em outros artistas e outros períodos de curta ou de longa história, incluindo-se hoje a anti-pintura, em um dos setores da vanguarda.

Nessa multiplicidade, tem seu lugar a criação tão pessoal, sensível e contida de Luiz Aquila da Rocha Miranda.


Mário Barata – Texto do catálogo da exposição na Galeria Arte Global – São Paulo, 1976

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