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Galeria Paulo Klabin - Eudoro Augusto Macieira de Sousa

Luiz Aquila da Rocha Miranda - 1979


Falar da pintura de Luiz Aquila exige esforço de reflexão sobre um trabalho que se esquiva às aproximações mais óbvias, que não confirma parentesco ou afinidades marcantes e marcadas com a maioria dos artistas de sua geração. Esforço quase impossível para um poeta de domingo (ou de segunda), ainda que a meu favor se apresente o álibi que antecipadamente me reservo: o de uma crítica não profissional. Descartada, por escrúpulo ou timidez, a relativa facilidade de um texto simplesmente afetivo, que se justificaria por um convívio continuado, amizade de mais de 15 anos (durante a qual várias vezes partilhamos um espaço criativo comum), resta-me a alternativa de encontrar o necessário meio-tom. No caso, algo que tem mais a ver com a esperteza do olho do que com a certeza do conhecimento. Na fabulação abstrata desta pintura (da qual não se elimina por completo a sugestão figurativa) me ocorre então registrar coisas como a tensão entre o contínuo e o descontínuo, entre a reta e a curva, entre o ângulo e o círculo. Numa analogia musical, a que metaforicamente me permito, sugere-se uma sucessão de linhas melódicas não articuladas entre si pela lógica da harmonia. Isto é, não globalizadas verticalmente. O que se insinua, porém, apenas em nível preliminar, ao primeiro golpe de vista. Se me aprofundo na interseção de linhas, planos, volumes, descubro de estalo a força de um grafismo irascível, que aqui e ali se atenua num outro plano de ondulações mais leves, cheias de ar. Um grafismo todo próprio, descaradamente pessoal. Descubro o espaço vulnerável ao atrito, as formas que se comprimem, se distendem, se tensionam, mas também, serenamente, a pausa de respiração entre essas linhas e planos.

Fico imaginando o embaraço de um crítico credenciado para situar a expressão de Luiz Aquila em contexto específico. Digamos, no circuito da arte brasileira contemporânea. Um pintor interessado apenas em pintar? E como fazer a cabeça do público com a modéstia de tal “proposta”? Nosso crítico fictício vai lá e confere, mas não encontra o repertório que a vanguarda já tornou familiar. Não tem Coke, nem Campbell´s, nem sequer o similar nacional incorporado como elemento kitsch. Sem o apoio da iconografia industrial-publicitária, nem de um comportamento vanguardista explícito e a esta altura assimilado por todos (artista-crítico-consumidor), fica mais distante a possibilidade de “revelar” uma leitura contemporânea (que na verdade estaria previamente assegurada). Fica difícil deitar falação sobre a “pesquisa de novas formas” – às vezes fórmulas, formatos - ou sobre inéditas relações com o espaço exterior – físico e social. O dado experimental? Sim e não: mas por certo nada que se vincule diretamente ao experimentalismo herdado dos anos 60.

Ah, sim: há qualquer coisa desfazendo a quadratura do quadro, anulando os limites desse retângulo de ação pictórica. Mas vai-se de vez a esperança de uma interpretação mais cômoda, a reboque de modelos já testados. Essa “qualquer coisa” não é suficiente para filiar o trabalho de Luiz Aquila às fileiras da Abolição da Moldura. Essencial, ou simplista, ou apenas sincera, fica uma impressão mais forte: a de estar diante de uma pintura que rejeita o empenho catalográfico. Sem adjetivo: pintura-pintura.

Texto de Eudoro Augusto Macieira de Sousa, para exposição na Galeria Paulo Klabin, Rio de Janeiro, 1979

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