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Jornal do Brasil - Roberto Pontual

Foco sobre Luiz Aquila


Na semana passada, ao cuidar aqui dos desenhos e pinturas de Rogério Luz, atualmente expostos no Museu Nacional de Belas-Artes, insisti em considerar neles a presença constante de um comentário como prova de prevalência da idéia sobre a visualidade da imagem. Agora, quando pretendo focalizar uma série recente de pinturas de Luiz Aquila da Rocha Miranda, à vista na Galeria Paulo Klabin, posso partir da afirmativa de que em cada uma delas o comentário tem também a sua evidente vez. De fato, pelo menos quanto a um ponto ambos nisto se aproximam, até mais do que se é levado a julgar num primeiro momento. Da mesma maneira que Rogério repassa, através da face humana ironicamente retratada, modos de proceder na pintura do nosso século – de Picasso aos minimalistas, dos naifs a Klee – Luiz Aquila interessa-se por reciclar correntes que vêm do abstracionismo e construtivismo dos anos 10 e 20 ao expressionismo abstrato ou lírico seguinte ao segundo pós-guerra – de Delaunay e Kandinsky a De Kooning e Gorky, por exemplo.

Na verdade, cada pintura de Luiz Aquila quer ser, desde logo, entre outras coisas, uma indagação sobre o espaço específico do quadro. Não por acaso, ele as estrutura sempre pela colocação de um quadro dentro do quadro, num exercício de abandono virtual da moldura, que é, tradicionalmente, o limite máximo desse espaço especial, metafórico. (Eudoro de Souza, ao apresentá-lo agora em catálogo, situa o trabalho do artista nas “fileiras da Abolição da Moldura”.) Esta primeira disposição apontando na pintura de Luiz Aquila tem um antecedente perfeitamente justificável no seu caso: é que, mesmo muito longe hoje das assépticas soluções pictóricas neoconcretistas, ele foi aluno de Aluísio Carvão, um dos nossos neoconcretos inaugurais, exatamente na época em que o neoconcretismo estava no auge (1959-1960). E haverá quem se lembre do quanto a discussão do espaço do quadro e de sua operativa integração no espaço restante esteve entre os aspectos essenciais daquele movimento. Basta pensar nas obras de Lygia Clark e de Hélio Oiticica, como seus prenunciadores.

Mas na pintura atual de Luiz Aquila o caráter de comentário restringe-se a essa indagação interna, não se volta para o questionamento de circunstâncias exteriores, como na caso dos trabalhos de Rogério Luz.

Ele comenta o dentro, e não o fora do quadro - e a ironia não chega a ser sua arma fundamental enquanto comentarista. Além disso, o arcabouço construtivo ou a disciplina geométrica aparecem ali apenas como dados residuais, pontos de partida talvez de uma explosão que parece ir tomando conta irreversível dessas superfícies densamente habitadas de movimento, sem que nelas haja propriamente fogo ou calor. São frias até, pela opção das cores que as compõe. A impressão que se recebe, ao vê-las, é a de que tudo está passando velozmente e fragmentado, num espaço-atmosfera onde terra e ar, céu e vegetação se misturam em longínquas analogias à paisagem. Pode-se, inclusive, querer ver também, ali, restos de coisas, de objetos ou figuras humanas. O que importa, porém, mais que tudo, é anotar a explosão e o movimento, enquanto tais, sem maiores alusões figurativas, como seu tema básico.


Texto crítico de Roberto Pontual publicado no “Jornal do Brasil” em 3 de agosto de 1979.

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