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Jornal do Brasil - Elvira Vigna

O feitiço de Aquila

 

Artista expõe 14 novos trabalhos, que são pinturas ou “propostas dialogais”

No fim, você gostar ou não gostar tem a ver com a autoridade e o controle (não) exercidos pela obra proponente diante de você. É difícil, hoje, gostar de alguma voz monológica. E esse não gostar é a vitória, escondida, da dialética, não tanto a original, proposta por Hegel, mas a marxista mesmo, e que se suponha derrotada.É de diálogo que se trata quando o proponente é o pintor Luiz Aquila. São 14 novas telas – ou propostas dialógicas – na Galeria Márcia Barrozo do Amaral.

A coisa vêm desde a gênese. O artista tem seus truques para evitar o silêncio da tela em branco. Joga-lhe logo uns respingos e aí espera até ver os pontos de luz que a tela irá lhe apontar, os pedaços onde vai querer a ordem e o rigor, e os outros nos quais, Aquila logo percebe, pode apenas ser orgânico. Na pressa de não perder um murmúrio, Aquila à vezes traça campos com grafite – o que não é garantia de obediência. Pois trata-se justamente de um diálogo. Neste primeiro estágio entre ele e sua tela. Depois seremos convidados a participar pôr na tela o que não está lá. Podem-se ver, por exemplo – e isto é apenas uma hipótese-, planos diferentes, ruas e montanhas. Estes planos são cores, os habitantes do País das Cores, lugar de onde vêm aqueles 14 seres retangulares que falam sem parar diante de quem os observa.

É possível colocar, portanto - e qualquer um tem a licença de fazê-lo um espaço euclidiano, plano, no lugar do topológico, tridimensional, de Aquila.

Ele dialoga com as telas que dialogam conosco, mas também dialoga consigo mesmo no esforço de aceitar que a precisão das definições é temporária, a construção ameaçada – ou salva – pela mudança. Por incluir a construção como estágio de um processo não há, nas telas, início, ossatura. Os respingos iniciais serão repetidos por cima das pinceladas.

Transparências, moldes, colagens, grafismos e você não tem mais o conforto – ou o perigo – de um pensamento linear: ele começou aqui e terminou por ali. Quer dizer, não terminou, interrompeu.

No Porto, em Portugal, há uma igreja, a de São Francisco, que teve a parte central construída pelos romanos. Em volta, há uma estrutura gótica do século14. No século 18, o barroco contribuiu com um portal e uma rosácea que quebram a retidão das paredes. Lá dentro, no retábulo de um altar da capela de Nossa Senhora da Conceição, há um alto relevo em madeira, a Árvore de Jessé, que vai subindo e tomando a austeridade anterior. Isso, lado a lado, com a capela do século 15. Qual o começo? A metáfora com o prédio que não acaba é do próprio Aquila, na definição de sua arte.

Mas há um problem


a nos pensamentos que vêem processos e não resultados. É uma não-responsabilidade ética diante do coletivo ou do público, o mito da liberdade sem fim. A saída é ter limites nessa liberdade. Aquila precisaria, então, reconhecer alguns de seus processos como não válidos, mesmo sem apor a eles o estado de acabados. Para que aqueles 14 processos se legitimem, haveria de ter outros, mentirosos.

Ele os chama de “quadros assassinos”. Mas não os joga fora. Dialógico até o fim (ou o começo), ele os guarda, virados de borco, por anos a fio. É que as coisas mudam. Ás vezes é ele, Aquila, quem muda, às vezes é o próprio quadro que, depois de cinco, seis anos, aprende de repente a falar.

Texto de Elvira Vigna publicado no Jornal do Brasil em 28 de novembro de 2005.


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