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O Globo - Frederico Morais

O informalismo está de volta


Não há mais dúvida: o informalismo está de volta. Não se trata de um retorno puro e simples ao Tachismo da Escola de Paris, de triste memória, nem mesmo do Expressionismo Abstrato dos norte-americanos. Pode não parecer, mas o Informalismo de agora tem algo a ver com a Pop-Art (um Jasper Johns, por exemplo), e de certa maneira é um desdobramento das tendências neoconstrutivas que eclodiram a partir do final da década passada, como o minimalismo norte-americano e a Pintura Analítica européia. A redescoberta da pintura, ou melhor, do prazer de pintar, proporcionando uma explosão da cor e a liberação do gesto, está levando, muito mais rápido do que se esperava, a uma nova onda informalista.

Se isto é bom ou ruim, ainda é cedo para dizer. Por ora, limito-me a constatar o fato. Quem quiser tirar a prova, que visite as exposições de Luiz Aquila da Rocha Miranda, na Galeria Paulo Klabin, e de Takashi Fukushima/Newton Mesquita, na Galeria Sérgio Milliet, da Funarte. E, para reforçar, rememore as exposições recentes de Claudio Kupperman e de Benevento, aqui no Rio, acrescente a nova pintura caligráfica de José Aguilar e de dois outros paulistas, Ivald Granato e Wesley Duke Lee. Em todos eles há como que uma euforia da cor e uma movimentação alegre do pincel.

Em 1960, apresentando uma exposição de arte concreta internacional, em Zurique, da qual participaram vários brasileiros, Max Bill anunciava, com alívio, “o fim do dilúvio tachista”. Ledo engano, como diriam os literatos. Menos de duas décadas e ele está aí de volta reformado, recauchutado e mais sofisticado. Vamos ver se agüenta...

O que mais assusta no mundo moderno não são as mudanças, mas a própria velocidade da mudança. Claro, muitas vezes, estas mudanças são impostas e controladas por interesses espúrios, e o campo da arte não está alheio a isto que se denominou de “obsolescência planificada”. Não chega pois a ser surpreendente que este retorno ao Informalismo encontre Iberê Camargo em pleno vigor criativo, ou que os dois Fukushima, o pai, Tikashi (anos 50), e o filho, Takashi (anos 70), estejam novamente emparelhados. Claro que o Informalismo de um é diferente do do outro, o primeiro enfatizando mais as texturas e as matérias caprichadas, o segundo construindo “paisagens” com um grafismo ágil e elegante, que vem associado ao emprego de cores tênues, quase pastéis.

Aqui nesta coluna, ao comentar a VI Documenta de Kassel (1977), anotava não só o retorno vitorioso da pintura de caráter abstrato, a partir de obras que podiam ser perfeitamente rotuladas de informais, gestuais e caligráficas. Sabidamente vinculada ao mercado de arte norte-americano e alemão, Kassel decretou o fim das tendências realistas (que ela estimulou, com grande estardalhaço em 1972), impondo a pintura abstrata. E ficou bastante claro que o próximo passo seria repor em circulação as tendências informais vigentes nos anos 50. Sim, porque estes “revivals” estão vinculados, muitas vezes, à necessidade de liquidar com os estoques de tendências anteriores guardadas nas galerias. O Hiper-realismo foi uma jogada do mercado de arte para fazer circular, de novo, os vários realismos acadêmicos, inclusive o soviético. Não será difícil imaginar que se esteja cogitando fazer o mesmo com os milhares de quadros tachistas que inundaram o mundo, como verdadeira epidemia, há duas décadas.

Porém, o surgimento de novas tendências artísticas não constitui apenas jogadas comerciais. Elas atendem a necessidades mais profundas do consumidor. Ocorre que os donos de galerias percebem isso antes mesmo dos museus, críticos e artistas, e arriscam suas jogadas, nelas envolvendo as grandes exposições internacionais, que muitas vezes nem seus próprios organizadores percebem.

Na raiz desse novo Informalismo pode estar o cansaço das tendências conceituais vigentes nos últimos dez ou quinze anos, a aridez de uma arte hermética, o tédio provocado por linguagens cifradas, quase cabalísticas, que carecia de explicações (de bulas, como nos remédios), de uma arte para-visual que não se dirige aos olhos ou ao coração, mas à mente: arte como idéia. A redescoberta do prazer de pintar tem algo a ver com a aventura impressionista, com a visão hedonista dos primeiros revolucionários da arte moderna. Tem a ver com a necessidade de reconquistar o espectador com propostas visuais, capazes de encher os olhos e aliviar os corações, depois das homeopáticas e microemotivas propostas artísticas desta década. Quando o pintor impressionista trocou o sombrio atelier pelo plein-air, o tema pelo motivo, os salões e a corte pelos bares e cabarés, ou pela rua, estava não apenas dando vazão ao seu sentimento de mundo, mas abrindo novos espaços para a arte, especialmente junto à classe média. Este sentimento de mundo era algo panteísta, revelava uma visão lúdica da vida e, mesmo na cidade, uma absorção da natureza como fonte de alegria. Daí a empatia do Impressionismo. O Tachismo tem características parecidas, naturalmente com uma dose maior de escapismo e alienação. Aliás, formalmente alguns impressionistas anteciparam as soluções tachistas. Pode-se perceber isso mesmo em Visconti.

Como disse, grande parte da empatia do Impressionismo está no fato de associar pintura e natureza. Ora, o tachismo é uma espécie de festa da pintura e na relatividade de sua abstração, de cunho lírico, alude, mesmo inconscientemente, à natureza. Os nipo-brasileiros, por exemplo, são mestres em criar atmosferas que remetem a paisagens distantes no tempo e no espaço. Mais: o quadro passa a ser um jogo, permitindo mil brincadeiras formais e macetes técnicos.

Estes comentários surgiram a propósito da exposição de Luiz Aquila. Ou melhor, sua exposição foi o que faltava para compor o quadro inicial deste novo Informalismo. Apesar disso, Luiz Aquila não é um tachista. Por sua formação está mais próximo da pintura geométrica e construída, como vimos no roteiro de domingo anterior. No entanto, é inquestionável que sua pintura vai estimular a nova onda informal. Nos quadros expostos, a mesma explosão colorida, a mesma gestualidade livre, a mesma euforia do ato de pintar.

Amarelos, vermelhos e azuis intensos criam planos que se superpõem ou molduras artificiais que logo serão negadas pelo estilhaçar de formas que não querem descansar em nenhum ponto fixo do quadro. Pelo contrário, querem ascender, levitar, correr espavoridas por todos os lados, e nesse vaivém agitado romper, se possível os próprios bordos virtuais do suporte (aqui lembra a pintura de Takashi Fukushima). Com o pincel, Aquila vai criando arabescos musicais, zigzags, volutas, espirais, linhas que serpenteiam ou flutuam no espaço decididamente instável. Nada está fixo, não há chão, terra, linha do horizonte, tudo corre, circula, agita, como aves, pipas, fios ou quando a forma alude a formas vegetais tocadas pelo vento. Vôos, ondas, ventanias, implosões, invasões, estilhaços estas são as sugestões contidas em seus quadros. Quase nada restou dos sólidos geométricos, do cristal duramente construído pela natureza (e pelos cubistas). O clima geral é, portanto, de festa, de sol, de verão, de trópico. Um Informalismo nos trópicos.


Texto crítico de Frederico Morais publicado no jornal “O Globo“ em 30 de julho de 1979.



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